Lisboa, 21 de novembro de 1939 – Lisboa, 11 de junho de 2021
António Torrado faleceu a 11 de junho. Com uma vida literária com mais de uma centena de obras publicadas e uma dimensão humana, literária e pedagógica ímpares, António Torrado é um dos mais fecundos e premiados escritores do panorama da literatura portuguesa contemporânea para crianças e jovens. Foi professor, jornalista, editor, produtor, argumentista de televisão, escritor (ficcionista, poeta, dramaturgo e autor de manuais escolares). A sua atividade desenvolveu-se na qualidade de adaptador de textos de raiz popular e tradicional, mas também na de autor de textos originais. O conto é o género literário em que mais produziu, criando textos ou adaptando contos tradicionais. A poesia, a musicalidade, os traços de humor e de oralidade no discurso aliados à capacidade de contar histórias a partir de factos ou assuntos triviais do dia-a-dia deram origem a uma prolífera produção que alimentou o imaginário e o gosto de leitores ao longo dos anos.
A leitura e a Educação Literária muito devem a António Torrado. Nascido a 21 de Novembro de 1939 , foi na Literatura para a infância e juventude que mais se destacou. Foi aos mais novos que desde cedo e maioritariamente ofereceu o melhor da sua escrita, dedicando-lhes muito do seu tempo e talento. A escrever desde os anos sessenta, António Torrado pertence a uma geração de escritores que, desde o início dos anos oitenta teve um papel determinante na expansão da leitura para crianças e jovens. As suas obras contribuíram para o gosto e desenvolvimento de competências de leitura, a que que se associaram aspetos cognitivos, afetivos e culturais construtores do seu ethos pessoal e social.
Com uma escrita ágil e lúdica, carregada de poesia e por vezes com sentido de humor, alimentou o imaginário e cultivou o gosto pela leitura de sucessivas gerações.
Em entrevista em 2010 ao jornal Público, quando completou quarenta anos de vida literária, manifestou-se feliz por ser acarinhado pelos leitores de diferentes gerações.
“Já fiz tudo, já encantei gente. Tenho razões para me sentir feliz e realizado, mas, por outro lado, penso: e agora? O que é que me resta? Se isto é o resumo do que fiz, parece que é quase uma notícia necrológica, e eu não quero que seja. Não é por causa do medo da morte. Se ela viesse de um dia para o outro, não me custava nada. Ficar incapaz é que é chato, morrer não”, afirmou na mesma entrevista.
Professor do Ensino Secundário, foi também pedagogo. As suas obras, promotoras da leitura e do imaginário infantil, favoreceram praticas de oralidade e formas diversas de comunicação, levando crianças e jovens a exprimirem emoções, e pensamentos a aprenderem ser solidários e a conhecerem-se a si próprios. Muito lhe devem gerações de crianças e jovens.
Na mesma entrevista (Público 2010) quando questionado sobre o que esperava dos seus leitores respondeu:
"Já tenho tido provas de fidelidade que me comovem. Ditas pelos pais ou pelos miúdos. Também há aqueles que querem ouvir sempre a mesma história."
Sentindo-se acarinhado pelos seus leitores dizia: "Não me queixo de ser mal amado, como quase todos os autores portugueses: ursos mal lambidos. E acho que os meus colegas desta área também não se queixam, porque o público roda muito depressa. Chega aos 11, 12 anos, já passou. Mas até lá, quando são aplicados à leitura, gostam de ler e de reler. E depois temos sempre novas camadas. Os meus livros já foram lidos por várias gerações."
A sua intervenção cívica, literária e pedagógica foi intensa e rica. Escreveu para jornais, trabalhou na área da edição, foi chefe do Departamento de Programas Infantis da RTP e um pedagogo quer pelo impacto que as suas histórias tinham na leitura e no trabalho das escolas ao longo de gerações, quer na Fundação Calouste Gulbenkian, na Escola Superior de Teatro e Cinema ou através da escola infantil e básica que fundou, pioneira do Movimento da Escola Moderna. Teve também intervenção como dramaturgo, colaborando nomeadamente com o Teatro da Comuna. Também neste campo, os mais novos lhe devem carinho, através várias obras de teatro que fizeram as delícias dos mais pequenos.
O sítio de Internet “História do Dia” (atualmente inativo) espelha a sua capacidade criativa. Com início em 2003, disponibilizava, diariamente uma história ilustrada, acompanhada de atividades e da possibilidade de ser ouvida pela voz do próprio escritor. Relativamente a este sítio e numa entrevista à revista “Palavras” da Associação de Professores de Português, António Torrado referiu: Quando me impliquei neste projeto, o que mais me encantou foi a oportunidade de ler em voz alta, de acompanhar o leitor ou os leitores que, pelo mundo, me têm ouvido ler. Muitas vezes, a criança rejeita ou embaraça-se com a leitura porque faz uma leitura silabada, o que prejudica, limita a interpretação da leitura. Faz uma leitura de adições: sílabas para formar palavras, palavras para formar frases, frases para formar sentidos, e não sente enquanto está a ler. Penso que o teatro, na escola, devia ser obrigatório.
O sítio foi, ao longo de anos, explorado por educadores e bibliotecas, em contextos de leitura ou de exploração e articulação pedagógica com outros conteúdos para os mais jovens.
Algumas dessas histórias podem ser encontradas no Blogue das Bibliotecas do Agrupamento de Arouca.
A sua vastíssima produção literária foi várias vezes distinguida com prémios e menções honrosas, tendo recebido em 1988 o Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para crianças.
11-09-2021
Rosa Martins
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