O vício dos livros - Afonso Cruz
O livro é excelente. Um dos capítulos, “Gugudadismo” (p. 106-108), deveria mesmo ser de leitura e debate obrigatório para quem gere bibliotecas ou outros lugares com livros a ler por crianças.
Entretida com outras ralações presentes, destaco, porém, outra passagem, grata a Afonso Cruz pelas palavras e as ilustrações de mais esta obra, generosa e sagaz.
Elias Canetti, A Consciência das Palavras: Nós “não temos conhecimento daquilo que sentimos, é necessário que o vejamos nos outros para que o reconheçamos.” A transformação poética será a “única e verdadeira via de acesso a outro ser humano.” : só quando nos encontramos no outro nos compreendemos. Citado na p. 51, a propósito do comentário de Canetti à emoção sentida ao ver o quadro de Rembrandt “Sansão cego pelos filisteus” (1626) e neste o rosto transfigurado pelo ódio de Salomé.
Urgente hoje é a arte que nos faça conhecer o ódio par o podermos compreender, e combater vencendo, aprendendo por exercício de sermos profundamente o que não somos (como escreve Cruz, p. 25). Não bastará isso, mas ajuda.
Não perfilho o optimismo de Canetti, porém vivi o suficiente, entre feridas abertas e fechadas, e outras que obrigo por ética amanter abertas, para reconhecer o poder infinito da poesia e da cultura, sobretudo em tempos em que o povo está “cheio de fé, mas sem luz”, como escreveu Menèndez Pidal, também citado por Cruz (p. 44). E assinalo o milhão de visitantes da Feira do Livro de 2019 da martirizada Bagdad, assim se confirmando farol de resistência às trevas pela leitura, a literatura e os livros.
Maria José Vitorino
08-09-2021
CRUZ, Afonso - O vício dos livros. 1ª ed. Lisboa : Companhia das Letras, 2021. ISBN 9789897841972
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